Para pesquisadores do órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de SP, novas exigências influenciam produção e destinação de materiais
Diante da maior preocupação com higiene para evitar a contaminação pelo novo coronavírus, a pesquisadora Leda Coltro, do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, afirma que houve aumento do uso de embalagem e produtos descartáveis. Isso vai na contramão do banimento progressivo de embalagens descartáveis assinado por mais de 350 organizações na União Europeia em outubro de 2018, o chamado Compromisso Global para a Nova Economia dos Plásticos, com a visão de economia circular, mantendo-os na economia e fora dos oceanos.
“Dentre as empresas que assinaram estão seis das top 10 de bens de consumo, quatro das top 10 produtoras de embalagens plásticas, cinco das top 15 varejistas e duas das maiores empresas de serviços ambientais”, especifica Leda, que é bacharel em Química, mestre e doutora em Físico-Química. Segundo a pesquisadora, são seis as características da economia circular proposta: eliminação da embalagem problemática e desnecessária através de redesign, inovação e novos modelos de entrega; reutilização quando relevante, reduzindo a necessidade do descartável; todas as embalagens 100% reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis; todas de fato reutilizadas, recicladas ou compostadas; dissociação de recursos finitos, com redução de plásticos virgens através de reuso ou reciclagem; toda embalagem plástica livre de produtos químicos perigosos.
Um exemplo de iniciativa que vai de encontro a essa proposta é a Loop, plataforma de varejo lançada no Fórum Econômico Mundial em Davos, uma divisão da Terracycle em parceria com Nestlé, P&G, Unilever, Mars e PepsiCo. Os projetos-piloto na França e nos EUA envolveram venda de produtos com embalagem retornável através do e-commerce do Carrefour, em maio de 2019 em Paris, e venda de sorvete em pote de alumínio de parede dupla para permitir reutilização no primeiro semestre de 2019 em Nova York: são enviados em sacola própria da plataforma, que depois é retirada na casa do consumidor com a embalagem vazia, a qual é higienizada e reabastecida.
“O vai e vem da embalagem preocupa a população em relação à contaminação pelo coronavírus, então a reutilização não tem sido priorizada. Neste ano, no entanto, foi lançado um sistema reutilizável de sabonete líquido no mercado europeu, em supermercados de duas cidades da Alemanha em projeto-piloto que terá a duração de seis a oito meses. As garrafas reutilizáveis são feitas de PET reciclado, que ao fim do teste serão recicladas. As formulações precisam suportar a carga adicional de enchimento, a máquina precisa de protocolos de limpeza adicionais e no código de barras constam lote, escolha da fórmula e ciclos de recarga. Luzes de LED dão feedback quando a embalagem está cheia ou se o código de barras está impresso”, detalha.
Para Leda, a alternativa à desconfiança quanto à reutilização seria adotá-la no ambiente industrial, onde a limpeza tem menor risco de contaminação pelo menor manuseio dos
materiais. No entanto, ela lembra que não há evidência de que embalagens de uso único contribuem mais ou menos do que as reutilizáveis no contágio do novo coronavírus. “A melhor maneira de os consumidores se protegerem é seguindo as recomendações das autoridades de saúde pública em relação às boas práticas sanitárias”, frisa Leda, que também pondera quanto ao receio dos produtos sem embalagem. “Não há evidências de contaminação por produtos in natura, desde que todos os cuidados de higiene sejam adotados.”
Apesar do cenário negativo para a sustentabilidade, Leda é esperançosa quando à conscientização do consumidor diante da maior percepção da quantidade do resíduo gerado nas residências e acredita no investimento em alternativas para garantir a correta destinação dos recicláveis. “Como a triagem dos materiais recicláveis tem ocorrido somente onde há separação mecânica, como na cidade de São Paulo e algumas cidades do Exterior, é esperado também o aumento do uso de sensores ópticos e uso de robôs (automação) para a separação dos recicláveis”, diz. “É esperado que haja reivindicação para que haja mais reciclagem e espera-se que a população também se empenhe no retorno dessas embalagens para que a reciclagem aconteça, seja por catadores, por pontos de coleta ou pela coleta seletiva”, finaliza.
Adaptação de embalagens e tendências
“A pandemia transformou completamente as exigências do consumidor e as indústrias de embalagem vão ter que se adaptar”, frisa o pesquisador Gustavo Moraes, que também atua no Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Ital. Bacharel e mestre em Química, ele detalha como as novas preocupação impactam a atuação do setor: além de preocupações sobre o design com relação a proteção do produto, aumento de tempo de prateleira, comunicação com o consumidor e conveniência na utilização da embalagem, terão que ser levados em conta fatores como facilidade na higienização, aproximação com narrativas sustentáveis e adaptação para e-commerce e delivery.
“Tendências de sustentabilidade como redução de espessura, substituição por monomateriais, design otimizado e busca por polímeros de origem não fóssil terão que ser balanceadas com questões de saúde e de higiene. Mesmo que num primeiro momento o consumidor esteja preocupado com questões de saúde, ele não deixará de lado questões de sustentabilidade”, ressalta.
“Algumas tendências que já estavam em ascensão foram catalisadas nesse período de pandemia, como a digitalização da cadeia de valor, com ferramentas cada vez mais presentes como inteligência artificial, IoT [internet das coisas] e rastreio de embalagens por radiofrequência e comunicação de campo próximo”, completa.
“O isolamento social diante da pandemia da Covid-19 fez com que comércio, bares e restaurantes fossem total ou parcialmente fechados. Isso fez explodir serviços como e-commerce e delivery. Uma pesquisa brasileira mostrou que apenas 26% dos consumidores concordam que as embalagens são adequadas para o delivery, o que mostra a grande possibilidade de desenvolvimento nessa área”, finaliza.
Para o pesquisador do Ital, uma tendência antes da pandemia que deverá sofrer alteração é a embalagem on the go, que o consumidor manipula o alimento ou a região da embalagem em contato direto com a boca enquanto se locomove. “Uma das soluções que podem ser adotadas para contornar esse problema é o uso da tecnologia de delaminação, em que o consumidor retira uma camada externa da embalagem, expondo uma camada interna livre de contaminação. Mas esse tipo de tecnologia tem que ser trazido ao consumidor de tal forma que ele não rejeite o produto por associá-lo ao desperdício de material”, exemplifica.
Outros exemplos citados são as melhorias em embalagens para delivery como as seláveis e com lacres. “Trazem mais segurança para o consumidor de que a embalagem não foi violada do momento que saiu do estabelecimento até chegar na sua casa”, explica Gustavo Moraes, que também menciona o maior uso do QR Code “para trazer informações sobre ingredientes utilizados, processos envolvidos, promoções de novos produtos, informações sobre o restaurante e diversas outras que possam ser interessantes para o consumidor”, detalha, ressaltando que todas as embalagens devem ter aprovação para contato com alimentos.
O pesquisador do Ital aproveita para destacar oportunidades para o e-commerce, que incluem embalagens mais fáceis de serem higienizadas com garantia de proteção do produto e segurança contra adulterações, com o uso de lacres. Outros exemplos são embalagens que permitem o enchimento rápido, portanto facilitando o processo de envio, e embalagens que podem ser utilizadas para devoluções caso o produto venha com defeito ou precise ser trocado.
Também são consideradas estratégicas as embalagens otimizadas para o processo de estocagem para não serem degradadas, a associação das embalagens primária e secundária e rastreamento para que o consumidor acompanhe o transporte e tenha uma previsão da data de entrega, além daquelas que permitem experiências de unboxing mais positivas. “Embalagens instagramáveis ou que proporcionam um momento de prazer na abertura tornam-se atrativas.”
Crédito imagem: Freepik
Por Jaqueline Ishikawa
Assessoria de Imprensa Ital