Com foco na divulgação científica, trabalho indica a presença de bactérias nocivas em leite cru e aponta riscos em seu consumo.
Estudo desenvolvido no Polo Regional de Bauru da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, foi premiado no 30º Congresso Brasileiro de Microbiologia, realizado em Maceió, capital de Alagoas.
O trabalho, fruto do projeto de Iniciação Científica do biólogo Pedro Hadime Hori, também teve o objetivo de informar a população sobre os riscos de se consumir o leite que não passou por processos de pasteurização adequados e fiscalização. O estudo foi realizado a partir da coleta de leite cru de tanques de expansão (armazenamento refrigerado) em 102 propriedades rurais da região centro-oeste do Estado de São Paulo, onde foi verificada a presença de Staphylococcus aureus, bactéria comumente presente no leite cru capaz de trazer riscos à saúde humana e animal.
“Este trabalho demonstrou que a ingestão de leite cru, não pasteurizado, pode apresentar riscos para a saúde do consumidor, pois encontramos alguns tipos de bactérias que podem estar envolvidas na transmissão de doenças”, diz a pesquisadora da APTA Maria Izabel Merino de Medeiros, coordenadora da pesquisa.
“Em 58 das 102 propriedades analisadas, foi detectada a presença da bactéria S. aureus, sendo identificadas 76 cepas (tipos) diferentes”, explica Maria Izabel. Algumas destas cepas de S. aureus, segundo a pesquisadora, podem ser produtoras de toxinas potencialmente prejudiciais ao ser humano se ingeridas, causando desde um simples quadro de intoxicação alimentar, até problemas mais sérios em pessoas com imunidade baixa, crianças e idosos. A pesquisadora comenta quea próxima etapa do trabalho será identificar quais destas 76 cepas encontradas são possíveis produtoras destas toxinas.
Neste trabalho, o que mais chamou a atenção do grupo de pesquisa foi o fato de boa parte das cepas encontradas terem se mostrado resistentes, em testes de laboratório, aos principais antibióticos disponíveis para seu combate, tanto em animais quanto em humanos. “Nós testamos nestas cepas 12 diferentes antibióticos e detectamos um perfil de resistência muito elevado, inclusive com 29 delas se mostrando resistentes à oxacilina, comumente utilizada, inclusive para uso humano”, informou a pesquisadora Maria Izabel. Uma análise mais aprofundada, do tipo molecular, revelou ainda que três cepas de S. aureus possuíam gene específico encontrado em bactérias “super-resistentes”.
Apesar de o projeto ter focado em uma espécie de bactéria, Maria Izabel menciona que outras linhas de pesquisa do Polo Regional de Bauru da APTA estudam outros perigos relacionados ao consumo do leite cru, envolvendo a área de zoonoses (coordenada pela pesquisadora Simone Baldini Lucheis), como brucelose, toxoplasmose e leptospirose. Maria Izabel menciona que em 2020 irá coordenar pesquisa relacionada à qualidade microbiológica de queijos tipo “Minas Frescal” elaborados artesanalmente com leite cru.
A pesquisadora ressalta a importância do consumo do leite devido à sua rica composição nutricional, que inclui vitaminas, proteínas, minerais entre outros, mas complementa que cuidados com a qualidade do leite devem vir desde a sua produção até o copo do consumidor. “Nós destacamos a importância das boas práticas na ordenha, o cuidado com a saúde dos animais, o uso consciente dos antibióticos, assim como a importância da valorização do produto que é fiscalizado e que passou por pasteurização,o que garante a qualidade do que chega à mesa do consumidor”, adverte.
Conhecimento científico chegando à população
Tendo realizado a pesquisa quando ainda cursava Biologia na universidade, Pedro Hori conta que não queria que o conhecimento gerado ficasse restrito apenas ao público acadêmico e especializado. Desta forma, resolveu incorporar ao seu trabalho atividades de divulgação científica. “Quando eu estava fazendo a parte experimental na APTA, estava também desenvolvendo a parte de licenciatura de meu curso, o que exige a realização de atividades em escolas públicas. Assim, surgiu a oportunidade de unir as duas coisas”, coloca Hori. O biólogo levou para a escola, devidamente protegidas, placas de Petri com meio de cultura onde havia espalhado, dias antes, o leite cru e mostrou aos alunos as colônias de bactérias que se desenvolveram, para espanto de todos. A demonstração serviu de gancho para que explicasse às crianças sobre os riscos do consumo de leite não-pasteurizado.
A experiência deu tão certo, que Hori resolveu levar a atividade também para exposições em praças e outros espaços públicos, como o Bio na Rua, evento organizado por estudantes da Unesp Bauru voltado ao público geral de todas as idades.“Levamos o material e mostramos como são realizados os experimentos em microbiologia, com o intuito de revelar às pessoas como pode ser arriscado consumir o leite in natura”, explana. “É interessante, porque muitas pessoas ainda têm aquela ideia de que o leite ‘direto da vaca’ é mais saudável e mais natural, sem ‘química’. O fato desse consumo não ter dado problema para a pessoa durante a sua vida, não significa que não pode dar no futuro ou, então, para outras pessoas”, complementa.
Unindo as atividades experimentais e de popularização da ciência, Hori inscreveu o trabalho “O perigo do consumo de leite cru” no 30º Congresso Brasileiro de Microbiologia, realizado em outubro de 2019 na capital alagoana. No evento, a dedicação foi reconhecida e o biólogo recebeu da American Society for Microbiology o prêmio “Jovem Microbiologista Brasileiro”, na categoria Divulgação Científica.
“Uma coisa que a gente percebe é que temos muito essa carência na divulgação científica, voltada à sociedade. Ainda há muito essa falta de comunicação com aqueles que estão fora do meio acadêmico”, cita Hori. Para ele, o efeito negativo é que muitas pessoas não sabem o que acontece dentro das instituições de pesquisa e, como consequência, acabam não apoiando ou dando valor às ações realizadas por elas. “Comecei a perceber a importância disso e passei a me perguntar se estava conseguindo atingir as pessoas de alguma forma”, admite, ressaltando que, por isso, foi muito importante receber o prêmio. “Com a premiação e o reconhecimento, entendi que alguma coisa boa estávamos conseguindo fazer. Isso nos incentiva a cada vez mais aprimorar nossas técnicas de comunicação e atingir as pessoas externas ao meio acadêmico”, finaliza.