São Paulo tem potencial para produzir 600 mil toneladas de peixes de água doce por ano apenas em represas de hidrelétricas (cerca de um milhão de hectares ou um quinto das represas de hidrelétricas de todo o Brasil). Atualmente, o Estado produz apenas 45 mil toneladas de peixes na aquicultura, por causa da impossibilidade de se conseguir a licença ambiental, diz o pesquisador João Donato Scorvo Filho, do Polo Leste Paulista/APTA Regional, vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA). Desse total, cerca de 80% são peixes produzidos nas represas das hidrelétricas, porém de forma “ilegal”.
Os principais reservatórios de hidrelétricas no Estado estão no Rio Grande (Cemig, na região de Franca, divisa com Minas Gerais); no Rio Paraná (quase que uma represa formada apenas pelas hidrelétricas Sérgio Motta, Ilha Solteira etc.); Rio Paranapanema (represas da Ducky Energy e da Cesp); Rio Tietê (AES); e Rio Paraíba do Sul (represa de Paraibuna da Cesp), além de represas pequenas. Existem ainda represas de abastecimento de água (Rio Jaguari, Rio Atibaia, Alto Tietê, Igarapava, Nazaré Paulista, etc.), mas a Sabesp, pelas características e finalidade do reservatório, impõe restrições à atividade, permitindo eventualmente pequenas pisciculturas.
Até o início do século 21, pisciculturas em viveiros escavados sustentavam a atividade em São Paulo, com destaque para as regiões do Vale do Ribeira, Paranapanema e de São José do Rio Preto. No final da década de 1990, existiam cerca de três mil pesqueiros para lazer no Estado, relata Scorvo. “Essas pisciculturas criavam grande diversidade de peixes para abastecer, principalmente, o mercado de ´pesque-pagues´. Com as crises econômicas no início do século, fechou-se a maior parte dos pesqueiros.”
A piscicultura paulista já era grande, com criações em fazendas particulares, acrescenta o diretor comercial da M. CASSAB Foods, Silvio Romero Coelho. “Não havia percepção de ´cadeia´, pois as ações eram individualizadas, e muito poucas empresas dedicavam-se ao processamento e filetamento.” Em outras palavras, não se observava ainda o elo final da cadeia – processamento/industrialização e foco específico no consumidor final – explica ele. “O cliente final das pisciculturas era o pesque-pague... A tendência começa a ser evidente já a partir de 2000-2003, quando vários projetos de frigoríficos são discutidos e implantados.”
De fato, nos últimos 20 anos, a piscicultura passou por grandes transformações, tornando-se uma atividade econômica relevante, observa Scorvo. Os pesqueiros ganharam estrutura mais diversificada, associada a restaurantes, hotéis etc.. O grande salto veio com as exportações que exigiam a montagem de processadoras e, mais recentemente, com o fortalecimento do mercado interno, prossegue o pesquisador. “Além dos pesqueiros, os tanques-redes começaram a atender o mercado de peixe fresco e também as processadoras (produção de filé de tilápia, por exemplo), mas diminuiu a diversidade de peixes.”
De acordo com o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), em 2010, o Estado de São Paulo produziu 79,262 mil toneladas de pescado (extração e criação), das quais 45 mil toneladas (57%) oriundas da aquicultura e 34 mil (43%) da pesca. Das 45 mil toneladas da aquicultura, ínfimas 150 toneladas foram tiradas da água salgada. Em 2000, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a produção foi de 57 mil toneladas de pescado (67% ou 38 mil toneladas originárias da pesca e 33% ou 19 mil toneladas da aquicultura). Isto significa que nesse período houve uma inversão entre as produções da aquicultura (tilápia, por exemplo) e da pesca (sardinha, camarão, etc.), resume Scorvo.
A produção paulista é inteiramente comercializada dentro das fronteiras do Estado, complementa Coelho. “Isto traz outra vantagem que vai ao encontro da tendência mundial de buscar produtos com ´menor pegada de carbono´ (produtores estão próximos do consumo), ou seja, produção local para atender mercado local. São Paulo tem vocação para criar peixes subtropicais e tropicais, é o maior consumidor, tem a maior renda e, além disso, concentra a maioria dos centros de pesquisa e universidades. Todo esse arcabouço faz com que a atividade seja sustentável, ambiental, social e economicamente.”
Crescimento pequeno
No cenário nacional, o crescimento ainda é pequeno diante do potencial do País, observa Scorvo. Quando o governo federal criou em 2003 a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP), uma das metas era produzir cerca de dois milhões de toneladas de produtos aquícolas. Em 2011, a produção brasileira atingiu 1,3 milhão de toneladas de pescado, dos quais 480 mil toneladas (36%) da aquicultura (os outros 64% são produtos da pesca). Em 2000, a produção somava 850 mil toneladas (78% da pesca e 22% da aquicultura). Para 2012, Scorvo estima uma produção de 600 mil toneladas para a aquicultura, ainda distante da meta de 2015.
O Brasil importa dois terços das suas necessidades (US$ 1,116 bilhão de produtos de pescado em 2011), mesmo consumindo apenas 9 kg per capita (a recomendação da FAO/ONU é de 12 kg), pondera Coelho. “Tanto as importações quanto o consumo de pescado crescem 30% ao ano no país.” De fato, o brasileiro ainda come pouco peixe, concorda Scorvo. “Na verdade, são poucos os que comem, mas estes comem bastante. Nas últimas duas décadas, os pesque-pagues foram os grandes disseminadores do hábito. Mas, hoje, o que dificulta esse hábito alimentar é principalmente a falta de peixe.”
Além de suprir o mercado interno, outra oportunidade para o setor é o mercado externo, sugere Scorvo. Em 2010, o Brasil exportou 38 mil toneladas e importou 285 mil toneladas, um saldo negativo de 247 mil toneladas que é equivalente a mais de 50% do que foi produzido com aquicultura. Ou seja, “existe espaço para a substituição de importações e aumento das exportações, principalmente para o mercado europeu”.
Licença ambiental
Entre as razões porque o peixe é caro no Brasil, Silvio Coelho destaca a falta de escala na produção; a alta tributação (em cascata); e o alto custo da cadeia de frios (exige logística bem montada).
Para Scorvo, a lentidão no avanço do setor deve-se principalmente à questão ambiental. Desde a primeira legislação, em 1998, para o uso de reservatórios, luta-se pela atualização das normas de maneira a permitir o recebimento da licença ambiental. “A licença ambiental é o início de tudo”, diz o pesquisador, “desde o financiamento em banco e o acesso a políticas públicas (linhas de crédito especiais, assistência técnica, etc.) até a implantação de fábricas de equipamentos, desenvolvimento de novas tecnologias etc.. A ´ilegalidade´ gera insegurança nos investidores.” Com isso, não se pode adotar tecnologias mais avançadas, investir na formação de profissionais e criar um mercado mais amplo que permita a produção em escala tanto para o consumo doméstico quanto as exportações.
Coelho reconhece os avanços no setor com a criação da SEAP, atual Ministério. “Hoje, o processo está organizado, tem-se um ordenamento do que fazer em aquicultura. O MPA conseguiu estabelecer uma sequência lógica do processo de cessão de área junto aos diferentes órgãos do governo federal (antes, o produtor ficava perdido, indo e voltando aos diversos escritórios). Então, o MPA recebe toda a documentação exigida e encaminha para a Marinha do Brasil, ANA (Agência Nacional de Águas), IBAMA, SPU (Secretaria do Patrimônio da União)... Ou seja, o MPA coordena e centraliza toda a comunicação destes órgãos com o produtor e assim o processo é agilizado.”
Informação e tecnologia
Como a visão de cadeia produtiva é extremamente recente, tem se desconhecimento muito grande da atividade por parte dos órgãos reguladores de meio ambiente, observa Coelho. “Para a atividade ser regulamentada, precisa-se de licença ambiental.” No caso de São Paulo, a responsabilidade por fornecer a licença ambiental foi estabelecida com a reorganização da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SMA). “A Cetesb nunca teve esta função antes e, portanto, é normal que não tenha a informação total para isso.”
A aquicultura inclusive pode ser ferramenta de povoamento de espécies nativas (em extinção ou dizimadas pela ocupação desordenada), o que já vem sendo feito em escala pequena, lembra Silvio Coelho.
Por outro lado, o Estado de São Paulo tem a maior massa crítica de C&T do Brasil na área de pesca e aquicultura, diz Scorvo. Só de pesquisadores das instituições da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) são quase 100, sem falar das universidades públicas e particulares. “Os grandes centros de pesquisa em aquicultura e pesca estão aqui. Isto dá condições de se criar e adaptar tecnologias para a nossa situação.”
Uma destas tecnologias é o tanque-rede, cuja versão de pequeno porte (um, dois, no máximo quatro metros cúbicos) foi introduzida no início dos anos 2000. “Isto deu as bases para se iniciar a produção de tilápias em tanque-rede. Hoje, a busca do piscicultor é por escala de produção: tanques-rede de maior volume (já se fala em dois mil a 10 mil metros cúbicos).”
Esses tanques-rede de maior porte exigem equipamentos para alimentação, despesca e o próprio manejo do tanque, explica Scorvo. “A expansão dessa criação fez as fábricas desenvolverem ração mais adaptada a tilápia em tanques-rede. Isto fez com que produtores de alevinos (material genético) trouxessem de fora linhagens mais produtivas (Supreme e Gift são as mais utilizadas no Brasil).” Em resumo, a cadeia produtiva está pronta para atender à ampliação da demanda, assegura o pesquisador.
Estas tecnologias estão disponíveis no manual técnico “Piscicultura” (setembro/2011), elaborado por pesquisadores da APTA Regional e do Instituto de Pesca, vinculados à APTA-SAA, e publicado pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI-SAA).
Coelho atesta a qualidade dos técnicos e a competência na geração de tecnologias para o setor. “Nossa relação com a Secretaria de Agricultura, em especial com a APTA Regional e o Instituto de Pesca, é excelente. Esperamos continuar o relacionamento com este grupo que é muito conceituado, de alta competência.”
Projeto de fôlego
O Grupo M. CASSAB, empresa nacional que atua em 15 áreas entre elas a de alimentos, conseguiu no final de 2010 aprovação do MPA para a implantação de projeto de produção de tilápia destinada a atender prioritariamente o mercado paulista. Segundo Silvio Coelho, trata-se de projeto de grande porte no longo prazo (horizonte de 5 a 8 anos), que incorpora os mais recentes conhecimentos e tecnologias disponíveis e tem caráter sustentável (ambiental, econômica e socialmente).
Com a produção de peixe no município de Rifânia (região de Franca), o projeto será verticalizado, contemplando a formação de matrizes e reprodutores, a produção de alevinos, a engorda do peixe até o tamanho comercial, entre 0,8 e 1,0kg, e o processamento do peixe em frigorífico para obtenção de produtos destinados ao consumo final, como filés frescos, filés congelados etc.. No seu auge, a ideia é empregar mais de 250 pessoas diretamente, atingir o volume de 600 toneladas/mês de peixes e atuar nos mercados de filé, peixe inteiro, supermercados, peixarias e restaurantes.
Todo o processo será certificado, ou seja, é construído com base em requerimentos por órgãos de certificação. Um desses órgãos é o ACC (Aquaculture Certification Council) – um dos principais grupos de certificação da aquicultura - do qual Silvio Coelho é membro, que discute boas práticas de manejo de aqüicultura.
Articulação do setor
O Comitê da Cadeia Produtiva da Pesca e Aquicultura (COMPESCA) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), coordenado pelo empresário Roberto Kikuo Imai, é um dos braços de articulação do setor ao lado da Câmara Setorial de Pescado da SAA-SP. Criado há pouco mais de um ano, o COMPESCA reúne empresários e entidades das áreas de produção, insumos, máquinas, varejo, restaurantes e pesca esportiva, além de especialistas convidados.
Imai conta que assumiu o Sindicato da Indústria da Pesca do Estado de São Paulo (SIPESP) há 3,5 anos, incentivado pelo presidente da FIESP, Paulo Skaf. Com o apoio dos departamentos da FIESP, foi realizado um estudo setorial que abordou aspectos como o ambiental, de financiamento, informações estatísticas e posição da cadeia produtiva na economia paulista e brasileira.
O comitê é um órgão aglutinador do setor, inclusive da pesca esportiva, resume Imai. A cadeia produtiva do setor poderia tornar-se uma fornecedora da pesca esportiva, inclusive na prestação de serviços, exemplifica o empresário. A idéia é que os vários agentes da cadeia atuem em harmonia para resolver os problemas do setor. “A competição não é dentro da cadeia produtiva.”
Além das reuniões mensais, o COMPESCA tem grupos de trabalho que atuam em áreas como competitividade, capacitação, estatísticas e financiamento. Entre as propostas elaboradas neste primeiro ano de atuação, está a de desoneração de ICMS do pescado, em tramitação na Secretaria da Fazenda, que tem o objetivo de baratear o pescado ao consumidor e fortalecer o produtor paulista.
Outro grupo de trabalho levantou projetos de piscicultura em andamento e discutiu os principais entraves para o desenvolvimento sustentável do setor, como o licenciamento ambiental, bem como apresentou sugestões para superá-los. Um terceiro grupo trata de capacitação de guias de pesca, com sugestão de projeto-piloto em parceria com prefeitura de região que tem a pesca esportiva como eixo de desenvolvimento do turismo e inclusão social.
O presidente da Câmara Setorial de Pescado da SAA, Manuel dos Santos Pires Braz Filho, já vislumbra a fase pós-licença ambiental e acredita que a atividade oferece inúmeras oportunidades para os pequenos produtores. O zootecnista lembra que existe um déficit mundial de 30 milhões de toneladas de pescado e que o Brasil é o único país capaz de suprir esta demanda.
Mas, para conquistar o mercado internacional, a aquicultura deverá trilhar um caminho mais sustentável, defende Manuel, respondendo principalmente duas perguntas: o que fazer com a água e como tratar os funcionários? Uma das formas de respeitar o consumidor é definir procedimentos que resultem em produtos de qualidade. Manuel cita, por exemplo, o manejo que considere o controle da qualidade da água, o bem-estar animal e a criação de um “produto nacional”. O produto padronizado depende da unificação dos processos produtivos, de acordo com o zootecnista.
É nesse contexto que Manuel espera ver a atuação da Câmara Setorial da SAA. Outra ação da Câmara será no sentido de criar novas demandas para o setor de pesquisa científica e tecnológica. Ele cita como exemplos de necessidades de pesquisa a aquaponia, procedimentos de controle de qualidade da água, manejo sanitário e melhoramento genético.
Por fim, Manuel aponta necessidades relacionadas com o mercado, como criação de linhas de crédito, seguro aquícola, vias de comercialização e atendimento às expectativas do consumidor.
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Veja a entrevista de João Scorvo ao Canal do Boi/BM&F
Assessoria de Comunicação da APTA
José Venâncio de Resende
(11) 5067-0424