A região do Pontal do Paranapanema deve tornar-se, nos próximos cinco anos, uma das principais produtoras de maracujá do Estado de São Paulo. Uma conjunção de fatores deve contribuir para a consolidação desta tendência: adoção do sistema de produção de mudas altas de maracujá em condições protegidas; grande número de pequenos produtores nos assentamentos e de agricultores familiares com tradição em fruticultura; e as opções de mercado, diz o pesquisador Nobuyoshi Narita, diretor do Polo Alta Sorocabana/Apta Regional da Secretaria de Agricultura e Abastecimento. Os assentados do Pontal tem a produção de leite como carro-chefe de suas atividades e os demais agricultores familiares da região, além do leite, produzem hortaliças e frutas.
O sistema de manejo de maracujá adaptado à região é um divisor de águas, pois viabiliza economicamente a cultura, ao permitir a convivência com viroses e doenças do solo, e abre caminho para a diversificação de atividades com foco em frutas e hortaliças. A implantação da tecnologia nos assentamentos, bem como a necessidade de diversificação, foi potencializada pelo início dos programas federais de aquisição de alimentos. Além do maracujá, o Polo forneceu nos últimos três anos apoio tecnológico aos assentados na produção de mamão, goiaba, uva e hortaliças, em parceria com a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP). Tanto os porta-enxertos de uva quanto as variedades de uva, mandioca e batata inglesa utilizadas são tecnologia IAC.
Breve histórico
O “sistema de produção de maracujazeiro amarelo visando à convivência com viroses e doenças do solo” foi implantado em 2006 inicialmente na Alta Paulista, com ênfase nos municípios de Adamantina e Mariápolis, por ser uma das principais regiões produtoras do Estado. Foram três experimentos em diferentes áreas de produtores, conta o pesquisador José Carlos Cavichioli, diretor do Polo Alta Paulista/Apta Regional/SAA.
Em 2007, teve início a ação mais voltada para a transferência da tecnologia (cursos, palestras, demonstrações, avaliações no campo etc.). No ano seguinte, foi feita a primeira produção comercial de mudas em dois viveiros da região, quando então foram produzidas cerca de cinco mil mudas enxertadas (tolerantes a doenças do solo), por encomenda de produtores.
A recomendação de mudas enxertadas tolerantes aos fungos de solo é feita apenas para áreas com histórico da doença (morte prematura de plantas), principalmente as áreas que já foram cultivadas com a mesma cultura e que apresentaram sintomas da doença, explica Cavichioli. “A questão dos fungos de solo não é tão generalizada como a virose, que é comum à Alta Paulista e ao Pontal do Paranapanema.”
A produção de mudas em viveiros comerciais continuou em 2009, sempre sobre encomenda. “O mais importante é que temos conseguido manter a área cultivada com a fruta na região”, observa Cavichioli.
Virose
A disseminação da virose foi ampliada a partir de 1998, em importantes regiões produtoras de maracujá, como foi o caso do município de Vera Cruz, na Alta Paulista, de acordo com Cavichioli. Em Adamantina, a doença manifestou-se mais intensamente a partir de 2002. “Então, a proposta foi conciliar o modelo de produção de maracujá, permitindo a convivência da cultura em áreas de ocorrência da virose e de doenças do solo.”
“A virose existe no Brasil inteiro, e a gente estava tentando um sistema de manejo visando conviver com a doença”, explica Narita. Em 2007, foram introduzidas áreas de experimentação em propriedades de Narandiba, no Pontal do Paranapanema, e área de um produtor vinculado à FAOP (Fruticultores Associados do Oeste Paulista). Em 2008, Narita conseguiu aprovar no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) o projeto “Produção sustentável de maracujá por agricultores familiares no Pontal do Paranapanema”. Com isso, aumentou-se o número de experimentos para subsidiar o desenvolvimento do sistema de produção com informações como flutuação populacional do pulgão, produção de mudas protegidas e de mudas enxertadas, época de semeadura para produção de mudas avançadas ou altas, manejo de plantas daninhas e análise econômica de produção e mercado.
O resultado desse projeto, que durou dois anos, foi a o aumento do interesse pela cultura na região, conta Narita. Tanto que a quantidade de plantas aumentou de 20 mil em 2009 para cerca 40 mil, das quais 25 mil plantas cultivadas no sistema de produção de mudas altas em condições protegidas.
O sistema de produção envolve a adoção da técnica de enxertia, utilizando-se porta-enxertos tolerantes à morte prematura de plantas, e a produção de mudas altas em condições protegidas para o plantio após o ciclo das grandes revoadas do vetor (pulgão) da virose na região. No sistema tradicional, as mudas vão para o campo com cerca de 25 a 30cm em março/abril, coincidindo com o período de produção da safra anterior. Ou seja, a infecção precoce da planta resulta em queda de produtividade e qualidade do fruto, redundando em menor produção e preço devido à qualidade inferior.
Já no sistema de produção em viveiros protegidos, as mudas vão para o campo com mais de 1,5m em agosto, após a colheita e a eliminação da cultura anterior. A idéia é quebrar o ciclo da doença e produzir o maracujá nos meses de dezembro a março, que é o período de maior demanda de suco.
Visita a assentamentos
O apoio técnico da APTA na difusão da tecnologia (seminários, palestras, capacitação etc.) foi fundamental para viabilizar a implantação da cultura do maracujá nos assentamentos do Pontal do Paranapanema, de acordo com João Barreto Nobre, um dos técnicos do ITESP que atendem às cerca de seis mil famílias em 14 municípios do Pontal. Ele é responsável pelo assentamento Engenho 2, em Presidente Epitácio, onde vivem 29 famílias (560 pessoas), cada família em área média de 14 hectares. Barreto também atende ao assentamento Lagoinha, com 154 famílias (cerca de 1200 pessoas), que também produz leite, hortaliças e frutas.
Seis produtores do assentamento Engenho 2 utilizam o sistema de plantio de maracujá introduzido pela APTA há três anos, em parceria com o ITESP. Renato Tenório Santos, filho do proprietário do Sítio Santa Maria, já está no terceiro plantio de maracujá. São 330 pés plantados na última safra, contra 250 pés no primeiro plantio e 300 pés no segundo ano. Ele entregou a produção para o programa de aquisição de alimentos da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), à merenda escolar e à CEAGESP, além de vender um pouco para a indústria de alimentos em Bataguaçu (MS). Na primeira safra, por exemplo, gastou cerca de R$ 1.000 e recebeu mais de R$ 6.000 por 300 caixas colhidas (preço médio de R$ 2,00 o kg), o que o estimulou a ampliar o plantio.
Em seus sete alqueires, Renato ainda produz leite (média de 40 litros diários), que vende para o laticínio de Teodoro Sampaio, e planta um pouco de berinjela e pimentão, entregues à CONAB. Segundo Narita, desde o início, a preocupação sempre foi com a comercialização. “Nenhum mercado pode ser dispensado.” Para Barreto, a parceria com a APTA permitiu a introdução de mais frutas. “Então, hoje, é leite, fruticultura e hortaliças. O produtor envolve toda a família nas várias fases, desde o plantio à colheita. Tem dinheiro o ano inteiro, tem mais renda aqui do que se estivesse na cidade.”
No sítio Santa Clara, o agricultor Shiroshi Hirae conseguiu na última safra produtividade de 3,5 caixas de maracujá por pé, acima das 3 caixas/pé da safra anterior. Ele começou com 1.300 pés em 2009, aumentou o pomar para 2.200 pés em 2010 e no terceiro ano plantou 2.450 pés. A produção foi vendida para a CONAB, merenda escolar, CEAGESP e mercado local. Hirae, que utiliza adubação, irrigação por gotejo e monitoramento de doenças e pragas, considera que o investimento foi um bom negócio. Além do maracujá, ele tira 300 litros diários de leite e ainda planta tomate, uva, mamão e cebola em sua propriedade de 16 hectares, com a ajuda da esposa e dos três filhos. “Isso toma o tempo todo da família, é corrido, e o pessoal do assentamento ainda dá uma mão.” Mas ele pretende diversificar ainda mais suas atividades, introduzindo banana prata, goiaba e ponkan.
Barreto considera que o nível de tecnificação e a diversificação de Hirae são maiores do que os de Renato. “A diferença é o poder de investimento, pois Shiroshi fez financiamento (PRONAF Fruticultura), enquanto Renato trabalha com recursos próprios.” Ele estima em cerca de R$ 40 mil o investimento necessário para implantação de um hectare de maracujá.
De acordo com Barreto, nos dois assentamentos, foi introduzida em maio deste ano a batata inglesa (tecnologia IAC) pelos agricultores Maria Linhares de Moura (Engenho 2) e Gilberto Knnop (Lagoinha). A produtividade variou de 1,5 a 2 kg por pé, o que o técnico do ITESP considera um ótimo desempenho. A variedade foi testada na região pelo Polo Regional Alta Sorocabana, tendo sido plantados 30 sacos nos dois assentamentos.
Hortaliças de qualidade
O pesquisador Humberto Sampaio de Araújo, do Polo Alta Sorocabana, vai iniciar trabalho no Sítio da Acácia (assentamento Lagoinha) para testar variedades adaptadas ao clima quente, principalmente verão, e também telas de sombreamento. “Como são agricultores familiares, as variedades IAC, com mais tolerância, são interessantes para os sistemas de produção da região.”
Neste sítio, Antonio Moreira Alencar e família produzem 1,5 hectare de hortaliças orgânicas (alface, salsinha, cebolinha, couve, beterraba, chicória, rúcula, batata, quiabo, pepino e abobrinha), além de leite para consumo próprio. Segundo seu filho, Fernando, este ano as cotas de entrega à CONAB e à merenda escolar já foram atingidas, e o excedente de produção será vendido no mercado local.
Outra demanda, diz Humberto, é a capacitação de técnicos e agricultores para assegurar a padronização dos produtos. “Como eles tem excedente de produção, é preciso ter produto de qualidade e padrão (classificação) para abrir novos mercados.” Tanto que o Polo Regional já organizou evento de treinamento de produtores (seminário de horticultura) e, em novembro próximo, vai promover novo seminário desta vez direcionado aos técnicos do ITESP.
Segundo Barreto, as 96 propriedades do assentamento Lagoinha entregam hortaliças para a CONAB, vendendo o excedente em mercados locais. Por ser produto perecível, beneficia-se da proximidade da cidade e também é uma forma de estímulo ao consumo de hortaliças, além de evitar o êxodo rural.
Remanescentes da Cotia
Há 30 anos, Antonio Dengy Tuguimoto cultiva frutas no sítio Santo Antonio de 17 hectares que herdou dos pais, em Presidente Prudente. “A principal era a manga, mas como o mercado está ruim introduzimos o maracujá há quatro anos.” Neste sítio, o sistema de produção de mudas altas foi adaptado para o plantio adensado, explica Narita. O agricultor começou com 1.100 pés (produtividade de 1,7 caixa por pé), chegando a 1.400 pés na segunda safra (2 caixas/pé), e fechou a atual safra com 4.000 pés. Ele entrega 90% da produção para a CEAGESP, transformando o restante em polpa que a esposa processa na forma de suco. Além da esposa, ele toca a propriedade com a ajuda dos dois filhos e eventualmente algum empregado. Um dos filhos formou-se em administração e pretende dar continuidade ao trabalho do pai.
Tuguimoto é presidente da FAOP, que reúne 15 associados, a maioria de remanescentes da antiga Cooperativa Agrícola de Cotia. Com o fim da Cotia, um grupo de associados criou a empresa Prudensafra que existiu durante nove anos. Então, um grupo de produtores criou a FAOP cinco anos atrás. Como Tuguimoto, os demais associados da FAOP estão substituindo a manga pelo cultivo do maracujá. Além disso, estão diversificando a atividade com a produção, nos últimos dois a três anos, de romã, pitaia e amora. “A maioria dos associados tem filhos formados em universidade (agronomia, administração, estatística etc.).”
Doces e compotas
A mãe de Renato, dona Maria Helena, faz parte de um grupo de mulheres que já produzem doces e compotas no assentamento Engenho 2, que são vendidos para a CONAB e no mercado regional (supermercados, feiras-livres etc.). A idéia é construir uma cozinha industrial para ampliar esta produção, conta Barreto. “O projeto já está pronto, e prevê 70% de recursos do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) e 30% do ITESP. Só depende de a Caixa Econômica Federal liberar o recurso.”
Já a FAOP pretende adquirir uma despolpadora em câmara fria para fabricar suco e entregar às escolas, além de vender no mercado local e regional (casas de suco, comércio etc.), conta Tuguimoto. Além da despolpadora, acrescenta Narita, seria bom também conseguir uma máquina de classificação; a idéia é ter um packing house. “Se não tiver qualidade, não vai sobreviver.”
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José Venâncio de Resende
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