A grande maioria do salmão consumido pelos brasileiros é produzida no Chile e na Noruega, líderes mundiais em exportação deste alimento. Atualmente, diferente do que se possa pensar, quase a totalidade de trutas e salmões, disponíveis nas gôndolas dos mercados, são provenientes da aquicultura e não capturados.
O crescimento do setor e a otimização das técnicas criatórias ampliou a disponibilidade deste pescado, com abundância e custo cada vez menor, em relação ao salmão capturado, tornando o produto mais popular.
Trutas e salmões quando capturados no seu ambiente natural apresentam coloração avermelhada, conhecida como salmonada, sobretudo na pele, nas ovas e no filé. Esta coloração se deve ao tipo de alimento que capturam na natureza, constituído de pequenos animais, especialmente camarões, que contêm altos teores do carotenóide natural astaxantina; que por sua vez adquiriram esses pigmentos por meio da ingestão de microrganismos (algas, bactérias e fungos) responsáveis pela sua síntese.
Com o intuito de obter um produto com coloração semelhante ao silvestre, a Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de Campos do Jordão, do Instituto de Pesca (IP-APTA), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, realiza pesquisa há duas décadas, com trutas arco-íris, utilizando a astaxantina comercial (sintetizada industrialmente), cópia química exatamente igual ao do pigmento natural, como ingrediente da ração para alimentar as trutas e proporcionar a coloração salmonada.
Este processo, chamado de salmonização, é fundamental para aumentar a competitividade da truta em relação ao salmão importado, uma vez que, dentre os critérios de seleção, além do preço, o impacto visual provocado pela cor do filé é um dos mais decisivos na comercialização desta espécie.
Valor agregado pela pesquisa
A truta arco-íris foi trazida da Europa para povoar os rios da Serra da Bocaina e da Mantiqueira, fornecendo alimento alternativo para as populações ribeirinhas da região. Hoje é cultivada em diferentes escalas, no sul e sudeste do país, com a mesma finalidade de alimentar, porém com requinte.
A espécie é criada em água corrente limpa, bem oxigenada, possui carne branca suave, de excelente qualidade nutricional e baixo teor calórico. Possui vários minerais importantes que mantêm o nosso corpo em funcionamento e uma boa concentração de vitaminas A, E e D, além de rica em vitaminas do complexo B. Contém elevados teores de ácidos graxos essenciais, ômega-3 de cadeias longas, que são importantes para prevenir doenças coronarianas, minimizar acidentes vasculares cerebrais, melhorar respostas imunológicas e reduzir riscos de doenças degenerativas.
Essas considerações são frutos de décadas de pesquisas realizadas nos mais importantes centros acadêmicos do mundo, confirmando a vantagem de consumir peixes e frutos do mar.
De acordo com a pesquisadora científica Neuza Sumico Takahashi, do Instituto de Pesca (IP-APTA), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, “a coloração avermelhada só é incorporada à carne do animal cultivado, quando a ração é suplementada com a astaxantina, cujo preço é elevado. Uma dificuldade adicional está em que os procedimentos convencionais de uso do pigmento resultavam em baixa eficiência na truta, agravando a pressão do custo. Por isso, aproveitando a experiência prévia com o processo no Japão, iniciamos uma linha de pesquisa visando otimizar a eficiência do aditivo em truta”.
Diante deste cenário, a estratégia escolhida na pesquisa visou maximizar o efeito da astaxantina nas duas etapas fundamentais do processo: processamento da ração e absorção pelo peixe.
No primeiro caso, como se sabia que a astaxantina pode ser degradada pela combinação de calor e pressão, durante o processo de extrusão da ração, testou-se sua incorporação à ração antes e depois da extrusão, comprovando que conseguimos evitar a perda de mais de 50% do pigmento durante o processo.
No segundo caso, como a astaxantina é solúvel em óleo e não em água, para melhorar sua absorção usou-se quantidades crescentes de pigmento em diferentes óleos, antes de incluí-lo à ração. Analisando o filé de truta, observou-se nitidamente uma coloração, proporcional à quantidade de pigmento adicionado à ração, e uma relação com o óleo usado. Experimentos posteriores indicaram a concentração de astaxantina, que deve ser adicionada na ração para obter a pigmentação em um prazo programado (quanto maior a quantidade de astaxantina na ração, menor o tempo necessário). Isto permite que os lotes de animais a serem comercializados tenham a sua escala de produção pré-programada, uma vez que, se a truta ficar semanas sem carotenóide na alimentação, a coloração da carne começará a esmaecer.
No período de reprodução, a astaxantina depositada na carne da truta é transferida para os ovários em crescimento. À medida que o pigmento é transferido, o filé de truta perde progressivamente a cor e os ovos ficam salmonados. Porém, esta reprodução propicia uma nova oportunidade de negócio.
Dentre os carotenoides sintéticos comerciais, a astaxantina é o pigmento mais utilizado para trutas, para dar a tonalidade ideal de forma rápida, homogênea e mais próxima da cor natural dos animais selvagens.
O processo de pigmentação com o carotenóide foi otimizado em etapas experimentais sucessivas na truta arco-íris cultivada no Brasil. A eficiência do processo de incorporação do pigmento na carne da truta foi aumentada consideravelmente em relação ao procedimento convencional, de modo a incrementar a lucratividade do processo.
Mercado e gastronomia
A exuberância das cores da natureza é parte do nosso cotidiano, o que torna muito difícil imaginar o mundo sem este leque de tons e nuances. Acontece o mesmo com os alimentos, pois a visão de um prato bem elaborado com ingredientes de qualidade, cores vibrantes e naturais atua como um condimento, estimulando nosso paladar. Por outro lado, cores artificiais levam à desconfiança e rejeição.
Em plantas e animais, a deficiência de pigmentação ou a palidez excessiva são frequentemente associadas à má nutrição e/ou doenças. Portanto, apesar de muitas vezes subestimada, a cor do alimento é um dos critérios de qualidade decisivo, na opção de compra do consumidor.
A linha de pesquisa em truta salmonada, realizada em Campos do Jordão, vem propiciando uma agregação progressiva de valor, pelo desenvolvimento de numerosos produtos derivados. É atualmente um dos destaques da gastronomia de cidades turísticas de montanha de SP, MG, RJ, SC e RS.
A transferência de pigmentos para os ovos dá origem a um novo produto derivado: o caviar vermelho de truta. Enquanto a ova de truta não-salmonada tem cor amarela brilhante, a da salmonada têm cor vermelho intenso, formando um belo contraste visual para a alta gastronomia.
O caviar vermelho de truta tem um mercado em ascensão no país, uma vez que o comércio internacional de caviar de esturjão foi severamente restringido com a inclusão dos esturjões como espécies em risco. Há numerosas vantagens técnicas em produzir o caviar vermelho de truta no Brasil: mercado pré-existente, pois este tipo de “caviar de salmonídeo” já era importado pelo país; produto homogêneo e com produção programável.
Segundo a pesquisadora científica do Instituto de Pesca, Neuza Sumico Takahashi, “esta linha de pesquisa, iniciada há mais de 20 anos, consolidou-se com o desenvolvimento de vários insumos comercializados hoje pelo Instituto de Pesca. Não podemos deixar de dizer que foi imprescindível o suporte institucional, o Auxílio Pesquisa da FAPESP, do CNPq e de parcerias com o PD&I do setor privado”.
Por: Gabriela Souza e Neuza Sumico Takahashi
Instituto de Pesca
Foto: Neuza Sumico Takahashi