As pesquisas até o lançamento de uma nova variedade de cana-de-açúcar levam cerca de 12 anos. Mas quais são as fases de desenvolvimento desse trabalho e por que ele demora tanto? O pesquisador do Instituto Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Mauro Alexandre Xavier, explica cada uma das fases do chamado melhoramento genético convencional de cana. Acompanhe!
Tempo para o desenvolvimento de uma nova variedade de cana é maior do que para uma de grãos
O trabalho para o desenvolvimento de uma variedade de feijão, por exemplo, toma cerca de seis anos. A cana tem dois métodos de propagação: sexual e vegetativo, o que requer de 12 a 15 anos para uma robusta avaliação e caracterização.
“Esta planta sofre uma grande interação genótipo ambiente, sendo necessário uma grande rede de experimentação, em diversos locais, para identificar o potencial de se tornar uma nova variedade”, explica Xavier, que é um melhorista, ou seja, pesquisador científico especializado em melhoramento genético.
Além dessa característica, a cana é uma cultura de ciclo longo. Um canavial pode permanecer em cultivo até oito ou dez anos, sendo ideal que a reforma ocorra pelo menos após o quinto corte. Quanto maior a longevidade, menor o custo de produção.
Etapas do melhoramento genético convencional da cana-de-açúcar
Ao todo, ocorrem sete etapas até que uma nova variedade de cana possa ser disponibilizada ao setor sucroenergético. De acordo com o pesquisador do IAC, essas etapas podem ser ilustradas como um funil, em que a cada uma delas ocorrem seleção dos materiais mais promissores e de interesse do setor produtivo.
“Em todo esse processo vamos adicionando filtros para disponibilizar uma variedade que atenda às demandas do setor. Queremos materiais mais produtivos, que acumulem altos teores de sacarose, adaptados à mecanização e que sejam tolerantes às doenças e pragas importantes para a canavicultura”, explica.
É importante lembrar, porém, que esses filtros vão sendo adicionados ao longo de mais de uma década. Por isso, os pesquisadores precisam ter vasto conhecimento da cultura e do setor de produção para vislumbrar o que será importante uma década depois de o trabalho ser iniciado.
“Precisamos sempre fazer esse exercício de pensar as tendências e o que será importante no futuro. A pesquisa tem isso: não resolvemos problemas apenas momentâneos, temos que pensar o que será importante lá na frente”, conta.
Etapa 1: Hibridação
O trabalho se inicia na chamada Estação de Hibridação, onde as equipes de técnicos e pesquisadores planejam as combinações que irão gerar as sementes. Nessa etapa, é necessário utilizar as flores da cana. As atividades precisam ser feitas em um local específico. Nesta fase é utilizada para os estudos do IAC uma Estação de florescimento, localizada em Uruçuca, no Sul da Bahia.
“Essa fase de hibridação da cana-de-açúcar possibilita a obtenção de famílias com ampla variabilidade. Para esse objetivo, é importante manter coleções de trabalho, com materiais geneticamente diversos, que vão possibilitar cruzamentos com alta variabilidade”, afirma Xavier.
O Programa Cana IAC preserva 21 coleções de trabalho na Estação de Hibridação, com 1.149 parentais destinados a atender o projeto de melhoramento genético da instituição.
Etapa 2: Produção de seedlings
As sementes geradas na Bahia são levadas para o Centro de Cana em Ribeirão Preto, onde a equipe do Programa Cana IAC produz plântulas, também chamadas de seedlings. Em média a cada ano são produzidos 300 mil seedlings pela equipe do Programa Cana IAC.
Etapa 3: Plantio seedligns (FS1)
Esses seedlings são plantados em sete sites de seleção do Programa nas regiões de Ribeirão Preto, Jaú, Assis, Pindorama e Goianésia. O processo de caracterização e seleção desses materiais nesses locais leva cerca de dois anos. “Em 2021, o IAC incluiu mais um site no seu processo de seleção, localizado no Mato Grosso, na Associação dos Fornecedores de Cana do Vale do Rio Paraguai (Assovale). As avaliações neste local se iniciaram em 2021 e serão importantes por conta das condições edafoclimáticas da região”, diz o pesquisador.
Etapa 4: Seleção (FS1)
As melhores plantas são selecionadas e “clonadas”. Nesta etapa do filtro, aproximadamente 2% dos materiais produzidos até aqui avançam para novas fases de caracterizações.
“Conseguimos fazer isso em uma taxa mais baixa por conta do acúmulo de informações e histórico institucional. Imagine selecionar e multiplicar 10% de 300 mil seedlings, seriam muitos materiais a um custo muito alto para o programa de melhoramento. Conseguimos fazer essa etapa a uma taxa bem mais baixa, mas com muita qualidade”, conta o pesquisador.
Após a seleção, os materiais são multiplicados por meio do processo de produção de Mudas Pré-Brotadas (MPB) e levados para uma nova fase de seleção.
Etapa 5: Fase de seleção 2 (FS2)
Ainda nos sites regionais, os clones selecionados em FS1 são plantados na forma de experimentos ou campos de multiplicação, o que permitirá ampliar as avaliações e caracterizações fenotípicas. Após está fase, os clones selecionados iniciarão validação em áreas de usinas, restrita ainda as regiões de origem, a chamada rede regional de experimentação.
Etapa 6: Rede regional
Os materiais são enviados para usinas parceiras do IAC para originarem uma primeira rede de experimentos. “A partir desta etapa começamos a dar dimensão no processo e ampliar a exposição do material genético. Por exemplo, os materiais que selecionamos na região de Ribeirão Preto vão para seis usinas nessa mesma região, o que nos permite caracterizarmos inicialmente dentro da própria região de seleção original”, explica Xavier.
Até aqui, foram-se oito anos de pesquisa, aproximadamente. Caso os materiais de fato se mostrem com características interessantes para aquela região, eles são liberados regionalmente, ou seja, podem ser usados pelo setor produtivo daquela região.
Etapa 7: Rede de Experimentação Nacional
Para avaliar se aquele material selecionado para aquela determinada região também é interessante para outras localidades, os pesquisadores estabelecem rede nacional, composta por aproximadamente 100 usinas, localizadas nas principais regiões de produção de cana-de-açúcar no País. Nesta etapa, cada série de experimento é avaliado em condições de campo por um período de quatro cortes ou cinco anos. “Isso representa um volume de trabalho imenso, que só é possível ser realizado em função de uma grande interação com o setor de produção”, diz o pesquisador do IAC.
Com isso, é possível verificar se aquelas mesmas características se repetem em condições diferentes de clima, solo e manejos. Só após este período é que uma variedade é disponibilizada nacionalmente para o setor sucroenergético.
Ano a ano
Anualmente, os pesquisadores desenvolvem cada uma dessas etapas, paralelamente. Todos os anos eles fazem a hibridação e ao mesmo tempo avaliam os materiais plantados dez anos antes. Com isso, os cientistas conseguem liberar praticamente todos os anos novas variedades mais produtivas e com potencial de atender as necessidades do setor sucroenergético nacional.
IAC tem um dos três programas de melhoramento genético de cana do Brasil
O Programa Cana do IAC é um dos três programadas de melhoramento genético de cana do Brasil e é referência nacional e exemplo para os países interessados na viabilização da canavicultura sustentável.
Nos últimos dez anos, 27 variedades de cana foram desenvolvidas pelo Instituto Agronômico e disponibilizadas ao setor sucroenergético, o que representa 23% das variedades lançadas no Brasil na última década.
Atualmente mais de 500 experimentos de campo são coordenados pela equipe do Programa Cana IAC, integrando as unidades de processamento ao desenvolvimento de uma nova tecnologia varietal.
Por Fernanda Domiciano
Assessoria de Imprensa APTA
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