Controle do HLB, café naturalmente sem cafeína e cana resistente à seca estão entre os objetivos; Confira podcast sobre o assunto no Spotify e SoundClound
O Instituto Agronômico (IAC) acaba de ser contemplado com R$ 4.540 milhões em edital da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP) dentro do Núcleo de Pesquisa Orientado a Problemas – SP (NPOP-IAC). Somam-se a esse montante outros R$ 4.470 milhões da iniciativa privada e R$ 25.790 milhões como contrapartida em infraestrutura e recursos humanos do Estado, totalizando R$ 34.800 milhões. O objetivo das pesquisas que serão realizadas com esse aporte é ampliar a base científica e tecnológica para solução de problemas bem definidos nas culturas de citros, café e cana-de-açúcar. Essas três importantes cadeias agrícolas terão o reforço da biotecnologia para acelerar estudos que trarão resultados inéditos para a agricultura mundial. A maior celeridade será proporcionada pelo método de edição de DNA, chamada CRISPR/Cas9 (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats), que significa Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas. Esta é a tecnologia que rendeu o prêmio Nobel de Química 2020 às cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, responsáveis pelo desenvolvimento da chamada “tesoura genética”.
“Essas três culturas foram escolhidas pela importância que têm em São Paulo e no Brasil e pelo protagonismo do IAC no desenvolvimento de cultivares dessas culturas perenes e semi-perenes”, conta a pesquisadora e líder do NPOP-IAC, Mariângela Cristofani Yaly. Os desafios foram definidos pelos pesquisadores em conjunto com os três setores de produção.
Na área de citros, o foco é a doença conhecida como huanglongbing (HLB), considerada a mais devastadora nos pomares citrícolas no mundo. Na de café, o objetivo é desenvolver cultivar de café tipo arábica naturalmente desprovida de cafeína a fim de buscar saudabilidade e incluir o produto em novos mercados. Nos estudos com cana-de-açúcar, pretende-se gerar cultivares geneticamente engenheiradas com aumento de produtividade, tolerância a seca, resistência a doenças, bem como cultivares de cana energia com modificação a biomassa, matéria prima para a produção de etanol de segunda geração.
“O conteúdo dos três projetos e a aprovação obtida mostram o alinhamento da ciência agronômica paulista com esse cenário de inovação e tecnologia de ponta, mundialmente reconhecida pelo Nobel 2020”, afirma o diretor-geral do IAC, Marcos Antônio Machado. Para o gestor, é necessário somar esforços nas pesquisas para o agro, aumentar a eficiência e otimizar estruturas.
Além do NPOP-IAC, no edital da FAPESP chamado Ciência Para o Desenvolvimento, também foi selecionado o NPOP do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) – NPOP-BIS, voltado a ingredientes saudáveis. Os dois projetos de pesquisa foram elaborados, avaliados e aprovados considerando os problemas específicos para os quais se voltam as soluções a serem geradas com as pesquisas. Os recursos para esses dois NPOP de Institutos da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, que são sede das pesquisas, somam R$ 69,6 milhões, sendo R$ 7,240 milhões da FAPESP, R$ 8,47 milhões de empresas e R$ 53,89 milhões do Estado, incluindo as infraestruturas e salários de equipes. Também da Secretaria, o Instituto de Pesca (IP) participa do NPOP sediado pela USP e trabalhará na temática Pescado para a Saúde. Este projeto contará com total de R$ 23,8 milhões, sendo R$ 3,6 milhões da FAPESP, R$ 6 milhões de empresas e R$ 14,2 milhões do Estado, incluindo as infraestruturas e salários de equipes.
De acordo com Mariângela, no NPOP-IAC, as equipes das três culturas estão trabalhando com ferramentas da biotecnologia, utilizando técnicas semelhantes e haverá ajuda mútua na busca por estratégias de cultivo que possam agregar valores. “No NPOP-IAC pretendemos agregar o que estamos fazendo para obter novas cultivares e nossos sistemas de produção, a edição genômica será a estratégia usadas para as três culturas”, explica. Outra semelhança entre as três áreas é a interação com o setor privado em suas atividades científicas.
No caso dos citros, pretende-se chegar a uma planta editada para controle do HLB, com porta-enxerto que induza a copa a um tamanho reduzido, resultando em sustentabilidade e redução do custo de produção. Em citros, são considerados a variedade copa, parte aérea da planta, e o porta-enxerto, que fica sob o solo.
Todo o esforço será em busca de soluções para o HLB ou Greening, visto que não existe, até o momento, variedade tolerante. As equipes terão três linhas de atuação. Na primeira, serão avaliados citros geneticamente modificados (GM) em ensaios de campo, que já estão em andamento. A segunda linha terá edição gênica por CRISPR para silenciar genes associados à resposta de hipersensibilidade da planta à infecção pela bactéria do HLB. Essa ação possibilitará o desenvolvimento de variedades copa resistentes ao HLB. Espera-se, ao final de cinco anos, ter uma planta editada com as características de tolerância ao HLB, qualidade de fruta, aspecto e sabor desejados. Esta etapa já está em andamento no IAC. A terceira linha de atuação será o uso de porta-enxertos citrandarins (híbridos de tangerinas com Poncirus trifoliata), obtidos no programa de melhoramento de citros do IAC. Esses materiais têm tolerância ao HLB, isto é, reduzem o impacto da doença, além de diminuírem o tamanho da copa da planta, característica muito demandada pelo setor citrícola.
“A equipe de citros do IAC já tem as variedades de porta-enxertos ananicantes e eles têm bons resultados”, adianta Mariângela. Por conta dos prazos, o fato de o IAC já ter parte desses estudos em andamento irá colaborar bastante com a conclusão. Isso porque, como os citros são perenes, são necessários quatro anos, após o plantio, para iniciar as avaliações; e outros quatro anos para analisar as performances completas.
Segundo a pesquisadora do IAC, Alessandra Alves de Souza, o IAC já tem o gene discover, a descoberta dos genes, e a equipe já sabe quais genes são realmente importantes, quais são os top genes, que possam ser editados através dos CRISPR. “Isso requer tempo e nós já temos”, ressalta. A equipe descobriu genes associados com suscetibilidade e resistência da planta ao HLB. Esses genes serão utilizados na edição de citros. “Já temos um background: temos o gene discover, já temos construções em andamento, estamos aplicando a tecnologia em laboratórios e o trabalho já foi publicado em revista internacional de alto impacto”, enumera Alessandra.
Os primeiros testes com as plantas com os vetores para CRISPR já estão em andamento, há algumas plantas com as primeiras transformações, mas a obtenção da planta editada ainda requer tempo e pesquisa. Daí a relevância dos investimentos a serem feitos nos próximos cinco anos.
De acordo com Alessandra, esses estudos envolvem testes de novos produtos em campo e trabalhos de pesquisa em laboratório. “Aplicamos o produto na planta e avaliamos a ação da molécula em relação ao HLB, vamos verificar se dá certo e porque dá certo, assim é possível elucidar os processos envolvidos no controle do HLB e como indutor de resistência”, explica.
Dentre os benefícios que as pesquisas trarão, estão a disponibilização de variedades copa e porta-enxertos mais tolerantes ao HLB. “Para a pesquisa, possibilitará o estabelecimento de uma tecnologia relevante e revolucionária que permite editar o genoma, sendo que as plantas não são caracterizadas como transgênicas”, explica Mariângela.
Terão também porta-enxertos que induzem ao menor porte da variedade copa para um novo sistema de produção na citricultura. Alguns dos porta-enxertos ananicantes estão conferindo naturalmente à copa da planta a tolerância ao HLB. Isso será importante para os citricultores, pois esta é a doença mais devastadora dos citros, para a qual não existem variedades resistentes.
“Novas tecnologias deverão ser desenvolvidas, possibilitando o manejo sustentável da citricultura, com menor aplicação de defensivos agrícolas, melhores condições de trabalho aos colhedores e utilização de colheita mecanizada, quando possível”, afirma. Essas soluções contemplam benefícios sociais, ambientais e econômicos, que poderão resultar desses estudos.
O Brasil é o maior produtor mundial de laranja, o estado de São Paulo é líder em produção e exportação mundial de suco. Nos pomares brasileiros, são IAC 90% das cultivares copa e 95% de porta-enxertos. O valor bruto de produção do setor citrícola é de R$ 14 bilhões, por ano. Os desafios do setor são sustentabilidade e controle do huanglongbing (HLB).
Tríplice hélice de inovação
Com estratégias biotecnológicas e genômicas para qualidade, produtividade e manejo sustentável de citros, café e cana-de-açúcar no Estado de São Paulo, esta proposta traz também um modelo inédito de gestão, envolvendo instituições de pesquisa e ensino, empresas e universidades do exterior, chamado tríplice hélice de inovação. Trata-se de uma novidade na gestão da pesquisa científica. “Os NPOP se caracterizam por pesquisa avançada em parceria com a iniciativa privada e com instituições de pesquisa e ensino internacionais”, afirma Mariângela.
Empresas dos setores citrícola, cafeeiro e sucroenergético estão investindo em parceria nesse novo modelo de desenvolvimento tecnológico. As parceiras do NPOP-IAC são: Amazon e Cia Camp, Daterra, Corteva, Biovertis e GrandBio, Citrosuco, Agroterenas, Solo Sagrado e Jacto. Outras empresas poderão aderir ao projeto ao longo dos cinco anos de execução.
A missão desse modelo de ciência é integrar competências, infraestrutura, conhecimento, bases genéticas em projetos disruptivos com genômica e biotecnologia para a solução de problemas nessas três culturas em que o Brasil é líder de produção mundial.
Todo o trabalho será feito em colaboração com a participação de equipe multidisciplinar, com cerca de 200 cientistas de diversas áreas do conhecimento e pluri-institucional. Participam junto ao IAC: Instituto de Economia Agrícola (IEA), ESALQ/USP, UNIFESP, FFCLR/USP, Embrapa, Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, MaxPlant Institute, na Alemanha, e Universidade de Queensland, na Austrália.
Capacitação no sistema ágil
Com o objetivo de capacitar as equipes com novas metodologias que proporcionam alinhamento ao mercado, essas instituições de pesquisa e ensino envolvidas nos NPOP da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo passaram pelo treinamento de gestão ágil, composto por 120 horas, ao longo de seis meses.
Cientistas e profissionais que os apoiam aprenderam sobre as metodologias Design Thinking, MVT (Tecnologia Mínima Viável) e Scrum. No Brasil, essas equipes dos NPOP estão entre os primeiros a recorrer a esse sistema. Os grupos também definiram valores, visão, identidade e missão dos Núcleos e elaboraram o regimento interno. Tudo em conjunto com as empresas parceiras.
IAC recorre à “tesoura genética” para desenvolver café sem cafeína
NPOP-IAC Café está relacionado ao desenvolvimento de cultivares naturalmente sem cafeína – totalmente desprovidos de cafeína ou com baixíssimos índices
Na área de café, a pesquisa dentro do Núcleo de Pesquisa Orientado a Problemas – SP (NPOP-IAC) é direcionada ao desenvolvimento de uma cultivar de café tipo arábica sem cafeína. A equipe propôs um método alternativo de obtenção de uma cultivar naturalmente desprovida de cafeína. Esse método é o de edição genômica, com o uso da metodologia CRISPR/Cas9, que consiste no silenciamento do gene responsável pela síntese de cafeína nas plantas. “Essa tecnologia será adotada para bloquear a síntese de cafeína em uma variedade comercial, que já reúne atributos agronômicos e industriais desejáveis”, explica o pesquisador do IAC, Oliveiro Guerreiro Filho.
Ao invés de transferir esta característica de cafeeiros silvestres, não cultivados, para uma variedade produtiva e resistente, a equipe irá trabalhar em uma variedade comercial, já dotada de boas características e, por meio da edição genômica, bloquear nela a síntese da cafeína. “Isso é fazer edição genômica, é como se, ao editar um texto, o DNA equivalesse a uma frase e dentro desta frase fosse alterada uma letra”, simplifica.
Segundo Guerreiro, há dois caminhos que levam ao mesmo resultado: um deles é o melhoramento genético clássico, que requer de 25 a 30 anos para obter resultados; e o outro é a edição genômica. Este novo método serve para resolver diversos problemas existentes nas diferentes espécies cultivadas e de interesse econômico. “Neste caso, a tecnologia será usada para atribuir baixo índice de cafeína a uma cultivar de café; é como se houvesse um interruptor capaz de desligar o gene que produz cafeína”, explica.
Como isso funciona: existe um determinado gene que é responsável pela síntese da cafeína, chamado gene da cafeína sintase - ele transforma a teobromina em cafeína nas plantas. “Quando nós editamos esse gene, mudamos o código genético, ele deixa de sintetizar a cafeína, deixa de transformar a teobromina em cafeína nos grãos, e a planta deixa de produzir cafeína”, explica Guerreiro. Não existe no mercado um café naturalmente descafeinado. A maior parte do café descafeinado presente no mercado é obtida por meio de processos químicos, que alteram também o aroma e o sabor da bebida.
“Nossa proposta é usar a edição genômica em cultivares comerciais com o objetivo de obter plantas com grãos desprovidos de cafeína, como uma estratégia alternativa à seleção clássica, também conduzida pelo IAC. Partindo de uma cultivar comercial, produtiva, vigorosa, resistente a pragas e doenças e que receberá o gene que atribui a característica aos grãos naturalmente desprovidos de cafeína”, detalha.
O pesquisador explica que essa mesma tecnologia se desdobra e poderá ser usada para obter, por exemplo, cultivares resistentes à determinada praga ou doença. Estima-se que em cinco anos a equipe terá a planta de café editada com baixo índice de cafeína. A partir desse resultado terá início uma nova etapa da pesquisa com avaliações de plantas editadas em casa de vegetação e campo. Ciência é trajetória de longo prazo, ainda que os avanços viabilizem atalhos.
10% do café consumido mundialmente são descafeinados
O café reúne fãs pelo mundo. Mas nem todo consumidor lida bem com a cafeína, fato que levou ao crescimento do mercado de café descafeinado. Cerca de 10% do café consumido mundialmente têm essa característica. A expansão de cafés especiais também ampliou a demanda pela bebida com baixo teor de cafeína. Mas o desenvolvimento de uma cultivar de café arábica naturalmente desprovida de cafeína é uma demanda antiga. No entanto, a “ausência de cafeína” nos grãos havia sido relatada apenas em espécies de cafeeiros não cultivadas, endêmicas de Madagascar, e a ciência brasileira não tinha acesso a estes recursos genéticos. É o que conta o pesquisador do IAC, Oliveiro Guerreiro Filho.
Sem ter como transferir esta característica para o café arábica, por falta de acesso às espécies Malgaxes, foi necessário garimpar exaustivamente no banco de germoplasma do IAC, em Campinas, plantas com essa característica. A busca, liderada pela pesquisadora do IAC, Maria Bernadete Silvarolla, deu resultado e, em 2003, pesquisadores do Instituto encontraram na coleção de cafeeiros café arábica, originária da Etiópia, plantas com ‘baixo teor de cafeína’. Essa descoberta facilitaria a transferência da característica desejada, já que é mais fácil transferir genes, por meio de cruzamentos, entre plantas de uma mesma espécie. A conquista foi veiculada pela revista Nature, publicação de divulgação científica mais citada do mundo.
A partir dessa descoberta, o desenvolvimento de uma variedade de café naturalmente com baixo teor de cafeína seria feito pelo método clássico de melhoramento genético, isto é, com hibridações e seleções sucessivas. Com essa estratégia, os cientistas transferem os genes das plantas e selecionam os descendentes com as características desejadas.
Esse método tradicional de seleção vem sendo conduzido no IAC desde 2003/2004, pois embora pertencentes à mesma espécie, os cafeeiros originais identificados com baixa cafeína não reuniam o perfil comercial necessário para serem imediatamente cultivados, apresentando baixa produtividade e vigor vegetativo, além de serem suscetíveis a doenças e pragas, com a maior parte de nossas cultivares. “A ideia então foi aproveitar somente a característica de interesse e transferi-la para uma variedade mais produtiva e com boa qualidade de bebida”, explica Guerreiro.
O longo período de seleção de uma cultivar de café se explica por algumas particularidades relacionadas à natureza perene da espécie e à necessidade de avaliação das gerações mais avançadas em ambientes distintos. “A nova cultivar deve ser estável, ou seja, sempre do mesmo jeito, em qualquer ambiente cultivado”, explica Guerreiro.
Cerca de 90% do parque cafeeiro brasileiro de café arábica são compostos por cultivares desenvolvidas pelo Instituto Agronômico. O Estado de São Paulo é o maior consumidor, processador e exportador do Brasil, que é o maior produtor mundial de café. O setor cafeeiro nacional movimenta o valor bruto de produção de R$ 25 bilhões, por ano. Os principais desafios são a qualidade da bebida, o mercado de cafés especiais e a sustentabilidade da produção.
NPOP-IAC na área de cana-de-açúcar envolve aumento de biomassa, tolerância à seca, resistência ao carvão e modificação da parede celular
Na área de cana-de-açúcar, o NPOP-IAC objetiva gerar produtos biotecnológicos, com foco em transgenia, a partir de resultados de uma década de pesquisa desenvolvidas pelo Instituto Agronômico (IAC). O objetivo é tornar o setor sucroenergético mais sustentável e competitivo, partindo de resultados de pesquisas científicas já desenvolvidas no Instituto Agronômico. A equipe irá desenvolver variedades de cana-de-açúcar e cana-energia transgênicas que apresentem aumento de produtividade, tolerância à seca, plantas resistentes ao fungo do carvão e modificação de parede celular para produção de etanol de segunda geração.
“A equipe do IAC identificou genes funcionalmente associados à tolerância a seca que, quando superexpressos em plantas transgênicas, também foram capazes de aumentar a produtividade em condições de estresse hídrico. Também identificou genes envolvidos na composição da biomassa lignocelulósica, de forma a viabilizar a produção de etanol celulósico ou etanol de segunda geração”, explica a pesquisadora do IAC, Silvana Aparecida Creste Dias de Souza.
Segundo a cientista, apesar do potencial energético existente na cana para produção de etanol de segunda geração a partir da biomassa vegetal, sua conversão em biocombustíveis ainda enfrenta obstáculos técnicos e econômicos. A lignina, um componente estrutural da parede celular vegetal, dificulta o processo de sacarificação e obtenção deste biocombustível. Para obter elevados rendimentos de produtividade, que torne o processo economicamente rentável, é necessário um aperfeiçoamento da matéria-prima. “Nossa equipe tem prospectado genes capazes de superar esse gargalo desde 2008, e, atualmente, vários genes identificados podem ser utilizados em abordagens de engenharia genética, a fim de alterar o conteúdo e/ou a composição da lignina e de outros componentes da parede celular, por meio de produção de plantas transgênicas”, explica a pesquisadora do IAC.
Os resultados alcançarão toda a cadeia de produção do setor sucroenergético e também as pesquisas nessa área. “O setor será beneficiado por ter acesso a tecnologias robustas para aumento de produtividade da cana-de-açúcar e melhoria da qualidade da matéria-prima da cana-energia para indústria de etanol 2G”, resume Silvana.
Segundo a cientista, a tolerância à seca tem sido uma característica priorizada pelos programas de melhoramento de culturas agrícolas em todo o mundo. “Além da necessidade de produzir mais com menos água, essa característica reduz a competição de água na agricultura com o humano”, completa. Além disso, completa a pesquisadora, as mudanças climáticas globais têm trazido uma imprevisão na ocorrência das chuvas, fazendo com que os veranicos ocorram nas estações mais chuvosas, como no verão brasileiro. Por exemplo, na safra de 2018, o veranico que ocorreu no início do ano, na região Centro-Sul, reduziu em 6% a produtividade dos canaviais. “Isso parece pouco, mas equivale à produção de cana-de-açúcar no estado do Paraná naquele ano, de aproximadamente 36 milhões de toneladas”, acrescenta.
Considerando os benefícios para o ambiente, as tecnologias a serem geradas permitirão aumentar a produtividade com economia no uso da água, além de verticalizar a produção, isto é, proporcionar maior produtividade por área. “Temos plantas transgênicas de cana energia em experimentação a campo que estão apresentando até 40% a mais na produtividade, afirma.
De acordo com Silvana, o carvão é uma das principais doenças fúngicas na canavicultura. O controle químico não é uma estratégia economicamente viável, de forma que a melhor forma de manejo é o uso de variedades resistentes. No entanto, a doença apresenta interação com o ambiente e, às vezes, uma variedade apresenta resistência num determinado ambiente e não o faz em outro. “Segundo a literatura, para cada 1% de planta infectada, estima-se 0,89% de perda na produtividade. Apesar de ser uma doença que os programas de melhoramento estão atuando bastante, das 22 cultivares mais cultivadas no Brasil, 16 apresentam algum nível de suscetibilidade ao carvão”, explica.
Nesse cenário, o IAC desenvolve pesquisa com carvão e atualmente existem vários genes promissores que poderão ser usados no desenvolvimento de tecnologias disruptivas para resistência ao carvão.
“O interessante de nossas pesquisas é que não estamos reinventando a roda mas, sim, avançando no desenvolvimento de tecnologias que promoverão uma canavicultura mais sustentável e economicamente viável”, comenta. Atualmente há três pedidos de propriedade intelectual depositados no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Há experimentos com canas geneticamente modificadas para melhoria de conteúdo e qualidade de biomassa para etanol celulósico. As plantas estão em avaliação experimental a campo, por meio da liberação planejada no ambiente aprovada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em projeto de parceria público-privada com a Granbio. “Em cinco anos de projeto, a equipe pretende dispor de genótipos elites, portanto as tecnologias proprietárias do IAC em campo, com vistas à liberação comercial”, diz. O estudo será conduzido no Centro de Cana do IAC, em Ribeirão Preto, que dispõe de infraestrutura e equipe técnica qualificada para o desenvolvimento do projeto.
A equipe também pretende atuar na edição gênica em cana. “Apesar dessa tecnologia prometer pavimentar o caminho da agricultura futuro, ela ainda apresenta desafios enormes na área de cana que precisam ser superados e, nesse projeto, pretendemos avançar no aprendizado e domínio dessa tecnologia em cana de forma a estabelecer uma plataforma de edição gênica no IAC”, diz.
Por Carla Gomes (MTB 28156)
Assessoria de imprensa – IAC